i can be just an angry poet

gabriela perigo
6 min readJun 18, 2024

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eu me propus a estar aqui
uma atriz no meio da rua
uma bêbada no bar
não acho isso fácil, acho isso tudo muito complicado mesmo
olá boa noite vamos começar
um silêncio atroz
eu sempre faço isso, gosto de ir pegando conforme vocês vão trazendo as leituras
o que é que que viemos fazer aqui afinal?
como se mantém aceso o peito todos os dias, afinal?
a figura do autor, essa coisa contemporânea, esse lugar do autor e como ele está… como ele está…
não é pra você se procurar em lugar nenhum
ficar pensando as coisas é isso mesmo, às vezes traz um desconforto profundo
é uma tentativa
sempre uma tentativa
eu pego livros completamente diferentes
e vocês tem até julho para ler
a gente tem de tudo, não é?
são várias as formas de narrar
uma atriz bêbada no meio da rua
uma bêbada no meio do palco
vocês podem ser o autor que vocês quiserem ser
tem espaço para todas essas coisas
tem mesmo?
não acho que tenha de verdade espaço para tudo isso
não quero ser malthusiana no final das contas
não é uma simplificação do excesso é sempre uma questão de poder e da distribuição dos meios
a sirene soa e é um alarde só
os cachorros latem
os pés gelados, os recortes, os recortes
isso é trabalho? é trabalho de verdade?
ler é trabalho? escrever é trabalho?
como que você vai pagar suas contas com palavras?
rubem fonseca escreveu um Autor (a maiúsculo)
que em entrevista cobrou por palavra
estava certo
soberbo e certo
a sirene parou
não gostaria que você me colocasse num lugar específico
seu personagem vai fugir de você sem parar
sempre escapando pela culatra
riobaldo riobaldo ou rísia
todos os nomes bons começam com a letra R?
agora ela disse recife e eu estou
como a atriz no deserto jogando as palavras ao vento
que prazer, espero que elas queimem
e que elas não sejam lembradas
que não entrem no hall da literatura
a literatura está matando minhas palavras
literatura é o que os homens fizeram comigo, uma espécie de endurecimento
posso torcer suas palavras assim, marilene?
como dizer com palavras doces que o romance não me interessa?
como dizer sem parecer uma criança mimada que os personagens não me interessam?
como digo que quero as palavras que erguem novos mundos aqui e agora rompendo o véu da mediocridade?
mais e mais eu gostaria de seguir escrevendo e que nenhuma dessas palavras disputassem a eternidade
estou mentindo? isso é apenas um jeito de seguir arrogante?
mas é com essas palavras que vêm do breu comum e que para ele voltam como se minha boca fosse — e ela é — simplesmente um canal, com quem me sinto efetivamente confortável
o poder da destruição, gosto dos artistas que por conta própria tiveram coragem — ou vergonha — e destruíram conscientemente seus trabalhos.
escrever é um gesto que mata e morre o autor quando acaba de vir
espero construir esse ninho vê-lo morrer e começar de novo o trabalho
isso é o trabalho
ver tudo morrer e começar outra vez
é assim que o escritor se sente depois de terminar seu trabalho? morto naquelas palavras
é essa a morte do autor?
o que que é ficção? uma IA fotografando o Papa vestindo branco?
e o que é que viemos fazer aqui afinal?
não fomos nós que inventamos as palavras, meu jesus?
ou foi mesmo Deus quem nomeou a lua, o sol, a terra e os animais que rastejam?
não somos os seres que rastejam. ou somos absolutamente nós os animais que rastejam.
Rosa chorou quando percebeu que nós humanos éramos de um jeito irreversível, científico, animais, chorou por três horas e nós demos banho em seu corpo muito muito humano e pequenino. nada amparou seu choro
estamos longe da ficção estamos atados a ela
a corrente puxa, é isso?
é uma coisa espinhosa, esses personagens de margem
na verdade eles sempre foram retratados
agora virou retrato e fotógrafo, a dialética
esse tema é um tema tão tão difícil
a poesia tem o dever de explodir a forma
e o joão não aguenta mais que a gente fique nessa punheta
ou na verdade agora ele gosta de tudo isso, porque sou eu quem estou falando
e ele me ama
e eu acho que escrever é um jeito de inventar a vida
o único possível, um milagre e uma desgraça
queridíssimos, escolhemos isso
e com vocativos eu tento ser mais delicada
enquanto imagino cães rasgando os livros e destroçando toda palavra já escrita
o que sobra de uma biblioteca incendiada?
você consegue fazer algo com a minha raiva?
estou sendo radical? nada disso é verdade
não se preocupe
guardo meus livros com cuidado
mas posso escrever cães ladrando às palavras
e reclamando seu direito de latir sobre elas
se todas elas se perdessem, você teria enfim que me contar ao ouvido
como sherazade noite após noite para que eu não morresse no breu infinito?
eu tive quatro homens e na quinta dei uma fraquejada veio uma mulher
uma poeta para de se perguntar se é poeta ao longo da vida?
acho que não
eu venho para escrever essas histórias
é por isso que estou aqui
e a gente não pergunta a vida toda de onde viemos e como viemos?
as cegonhas me cagaram nos ombros
e nasci maldita
quando uma cegonha caga nos ombros da criança que está descendo os céus
acontece: vai ter a cabeça acesa, não vai parar de pensar
e pensando demais o trabalho vai ser sempre uma penúria
tem alguma bênção real nisso?
claro que sim
mas não posso nem comer um feijão em paz
sem pensar na cadeia de trabalho que trouxe ela até aqui
não posso assistir uma aula medíocre sem pensar que ela é assim
medíocre
BUSCO AS COISAS GRANDES
tenho pressa com as palavras e isso é errado
parece
mas errado que isso é vir com pressa e sem a cara de pau de vender
essas palavras
a rebeldia é um vício, um desvio de caráter
uma alegria infeliz, incontornável
então a pressa é só um jeito bem pessoal
de azedar as coisas e sentir um gosto ruim depois do deleite
é por isso que imagino o fogo?
mas bachelard é tão bonito com a imaginação do fogo trepidando sob os olhos sob os cotovelos
acredito nisso, pois bem
digo que sim
calma nos maremotos do corpo da poeta
há o fogo e há alguém que queima seu corpo nele para dizer: fogo
meu corpo teórico em chamas
poemas criados, sofrendo mutações em silêncio
o trabalho é isso?
qual será minha última pergunta antes de morrer?
que horas são agora?
o pão está pronto?
você é feliz, minha filha?
não existe minha filha, mas não posso deixar de imaginar que será nela que pensarei antes de morrer.
e de maura não serei dona, como ninguém é meu dono agora.
queimo os livros, deixo com eles os cães e sua raiva humana bem aprendida.
os selvagens somos nós
isso é mentira, eu acredito na política
preciso, não acredito na literatura
há o que se ACREDITAR na literatura?
é diferente de acreditar na palavra, muito diferente, acreditar na literatura não é acreditar na PALAVRA.
vamos voltar, qual o começo de tudo isso?
um ser humano disse: AH.
ou disse: OH, enquanto levantava o braço em direção ao outro que cruzava seu caminho com ele. agora estamos aqui.
pés no chãos e um mundo infinitos de palavras a serem ditas
i can be just an angry poet
o senhor machado titubeia nos personagens
ele deixa o leitor confuso
porque é preciso ficar no escuro para acender o cigarro nessa casa
e o barco líquido navega a noite enquanto a brasa e a cinza estão aqui
desde o livro da Ana
você quer ser uma poeta?
e tem outra opção? já disse: é milagre e doença
nasci assim, me cagaram nos ombros e eles pesam

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